Daisy Serena é fotógrafa, poeta, artista e ativista visual.
Trabalha com cinema, vídeo arte, vídeo-clipe, registros fotográficos tanto de eventos como de espetáculos teatrais e musicais; em 2017 publicou o livro Tautologias, pela padê editorial e tem um extensa produção de colagens digitais, além das colagens com matrizes físicas.
Em seu canal no Instagram podemos ter acesso a seu portfólio: lá ela divulga tanto os eventos em que trabalha, como expõe seus trabalhos mais recentes e escritos; encontramos fotografias em preto e branco de seu dia a dia e alguns autorretratos, além de retratos de outras pessoas, artistas ou não, pois Serena é uma retratista, também.
Aqui farei uma apresentação muito miúda, perto da produção da artista, comentando uma série de colagens que a artista tem desenvolvido e um vídeo-poema, chamado Atotô.
A série de colagens digitais de Daisy, anuncia o afrofuturismo e o espaço sideral, mas não aquele povoado por naves espaciais, senão aquele que é paisagem habitável, sem a mediação de foguetes ou roupas de astronauta. Em seus cenários galácticos personagens negras, humanas e orixás, muitas vezes adornadas por flores e elementos naturais, protagonizam como quem habita ou reina.



Embora hoje saibamos que as viagens ao espaço só foram possíveis graças a cientistas negras, ao apresentar personagens negras no ambiente espacial sem fazer referência aos aparatos da engenharia espacial em si, mas, ao invés, apresentando elementos da natureza, que a princípio não levariam ninguém ao espaço – portanto ao futuro – podemos vislumbrar o cerne do ativismo negro brasileiro: a memória em relação às tecnologias de cultivo da terra e da fé em Orixá, Vodun, Nkisi e no povo da Encantaria. Tecnologias outras de sobrevivência e guerra, de aquilombamento, na contramão do colonial desbravamento e dominação de terras, trouxe a comunidade negra até aqui e é essa mesma tecnologia que nos leva ao futuro. O futuro negro do ativismo brasileiro preza pela vida e sua celebração, na reverência à ancestralidade e no respeito máximo à natureza. É esse afrofuturismo que as colagens de Daisy apresentam.
Em Atotô, um vídeo-poema, Daisy apresenta dois cenários a princípio contrastantes: um corporificado pela música que utiliza, o opanijé, e outro pela paisagem urbana vista de uma janela, à qual a câmera direciona nosso olhar.
Atotô é a saudação que se faz, no candomblé ketu, ao orixá Omolu. Opanijé é um ritmo do candomblé ketu (uma das nações do candomblé de matriz yorubana, com origens na cidade de mesmo nome) entoado a este deus africano, também conhecido como Obaluaê, epíteto composto pela contração: Obá Olu Aiyê, que significa rei senhor da terra ou ainda, rei que tem domínio sobre a terra.
Omolu é o orixá que rege a cura e as doenças. Dançando o opanijé vai para a direita, movimentando a mão direita que aponta, ora a face ora a palma, para o chão e o mesmo acontece quando, na repetição da frase musical, vai para o lado esquerdo. No opanijé, os dois lados das mãos, são também uma metáfora para os dois lados de todas as coisas e, notadamente, aponta para a saúde e a doença como dois lados de um mesmo: área de domínio deste deus.
Em aparente distância ao cenário de cores terrosas e cruas, em contraste com o branco das vestimentas e tecidos das roças/terreiros de candomblé, referenciado pelo opanijé de Obaluaiye, a artista traz a paisagem urbana de São Paulo: em preto e branco, da janela de seu quarto e de onde vemos ao fundo prédios, o céu, uma caixa d’água. Em primeiro plano as mãos da artista, em uma espécie de dança e alternância de movimentos, fazem uma referência nada óbvia, ainda que direta (especialmente para candomblecistas /ou intelectuais da religiosidade negra), aos passos do opanijé.
No terreiro diríamos que Atotô é um oriki: às 05h50 da manhã, a artista homenageia e contempla o “todo telúrico” deus, como ela mesma chamou: em português, nunca soube de nome mais apropriado àquele que, tão simples em sua realeza, limpa nosso corpo com pipoca.
Daisy utiliza a tecnologia de forma e as imagens que remetem ao futuro sem esgarçar os clichês da tecnocracia versus uma negritude estritamente rural ou simplesmente saudosista da terra. Não pára no arquetípico, mas o trabalha e relocaliza imageticamente, num contexto urbano permeado e norteado, muitas vezes, pela tecnologia.
Conheçam o trabalho de Daisy Serena: https://www.instagram.com/daiserena/ e https://vimeo.com/serenadai
Até a próxima postagem!
Nina Ferreira.
#fissura #mulheresartistas #artistasnegras #arteafrobrasileira #arte